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Prisioneiros na caverna

“Retive-me numa caverna onde, não encontrando nenhuma conversa que me distraísse, e não tendo, aliás felizmente, nenhuma preocupação nem paixão que me perturbasse, ficava o dia inteiro sozinho fechado num cômodo aquecido, onde tinha bastante tempo disponível para entreter-me com meus pensamentos. ”  (René Descartes)
Um simples vírus faz os homens da era da informação, digital, tecnológica, como queiram chamar, voltarem às origens. Como se estivéssemos no período paleolítico da pré-história, nos recolhemos às “cavernas”. Estamos refugiados, enjaulados, aprisionados na própria casa, não por decisão própria, mas por imposição de organismos microscópicos extremamente pequenos, invisíveis a olho nu, chamados “vírus”, que passaram a dominar o mundo.

Eu gosto de ficar em casa. Aprecio a solitude. Porém, a condição de “ter que ficar”, privado da liberdade de locomoção e comunicação direta com outras pessoas não é atrativa. Sentir-se preso dentro da própria casa é como estar num barco em mar revolto, diante de uma intensa ventania, ladeado por tubarões famintos à espreita do primeiro desertor a lançar-se nas águas para ser devorado.
“Reflete ainda nisso: supõe que esse homem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do Sol? ”  (Sócrates)

A condição de prisioneiro me fez voltar ao tempo das cavernas, numa daquelas encarnações. Passei a me ver colhendo frutas, pescando nos córregos e rios, caçando os animais silvestres na mata.

Hoje me vejo “prisioneiro na caverna”, em pleno século 21, diante de um computador com acesso à internet, inúmeros livros, móveis, esposa, filha, neta; entre o meu escritório, sala, copa, cozinha, varanda, quarto e banheiro, sem poder “colocar ” os pés fora de casa, nem pegar a maçaneta da porta, muito menos conversar com os vizinhos, visitar os parentes (que nunca visitei antes), tampouco reunir os amigos (que poucas vezes fiz – agora quero fazer). Até trabalhar que era obrigação, agora, passou a ser opção tudo por causa de um vírus. Eu era feliz e não sabia!
“Na caverna que você tem medo de entrar está o tesouro que você procura. ” (Joseph Campbell)

O lado bom dessa histeria foi descobrir que deveria ter aproveitado mais os bancos das praças, o passeio pelas praias com a família, ter escutado mais o canto dos pássaros e cheirado as flores nos bosques, parques e jardins da cidade, caminhado de mãos dadas com a esposa, filhos e netos pela rua Grande, ter viajado mais e conversado com os vizinhos e familiares.

Agora estou na “caverna” sem poder experimentar a liberdade, por causa do “coronavírus” que veio da China para atormentar os brasileiros e tirar o meu sossego e da minha família.  Esse é o resultado da globalização que compartilha as “desgraças” e guarda a riqueza; propaga a doença e fecha as fronteiras; prega a solidariedade e difunde a maldade, em nome do progresso e lucro, em detrimento do bem-estar e saúde das pessoas.
“O homem nunca saiu da "caverna". Apenas, evoluiu em arquitetura e tecnologia. Continua irracional. Matando e destruindo com mais potência. ” (Wal Águia Esteves)

Se eu estivesse na pré-história, numa caverna, fria, sombria e incomunicável com o resto do mundo, talvez nem soubesse que existe “pandemia” e estaria feliz comendo frutas, raízes e carnes deixadas por outros animais, vivendo da caça e da pesca, comendo peixe assado com a chama de um raio que incendiava uma árvore ou por meio de centelhas provocadas através do atrito de pedras ou pedaços de madeira.

Tudo evoluiu, mas os homens continuam reféns dos microrganismos patogênicos em busca de uma vacina contra o Covid – 19 para conter a pandemia. Os homens das cavernas buscaram descobrir o fogo e, venceram o desafio. Nós, ainda, não sabemos se conseguiremos deter o coronavírus. Viva o homem das cavernas!

Que Deus ilumine os homens da era da informação para que encontrem uma breve solução para este grave problema mundial e possam evitar o caos da nossa nação.
“Podes até estar dentro da caverna pensando que vais morrer, mas Deus enviará anjo, pão e água para você se fortalecer! ”  (Lady Diane)

José Carlos Castro Sanches

É químico, professor, escritor, cronista e poeta maranhense.
São Luís, 19 de março de 2020.
Visite o site falasanches.com e a página Fala, Sanches (Facebook).
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