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Fogueira de São João

— Ei, vamos ser compadres?

— Que dia?

— Dia de Santo Antônio ou São João. A gente faz uma fogueira e lá pedimos as bênçãos pra sermos compadres.

— Tá bom, pode ser.

— Mas está faltando alguém para ser madrinha e padrinho.

— Convida Antônio, Joana, Pedro ou Marçal, para eles serem nossos padrinhos. Daí eles dão presentes pra nós. 

— Será?

— Verdade.

Este mês, especificamente, homenageamos três santos reconhecidos pela Igreja Católica em seus templos: São João, São Pedro e São Marçal. Até pouco tempo, as festas desses santos eram comemoradas com as tradicionais fogueiras que desapareceram das portas dos vizinhos e da sua também.

Fogueira em homenagem a São João. Imagem: NE10Interior/UOL

Por que algo tão bonito e cultural acaba assim?  Como era legal o dia de Santo Antônio, considerado para muitos o santo casamenteiro. Santo este que é festejado na comunidade de Bomfim do Arari.

Neste ano (2020), por conta do coronavírus não teremos o festejo, muito menos as tradicionais fogueiras, que apesar de não ser mais uma prática com antes, ainda existem umas poucas pessoas que mantém essa tradição em suas portas.

Nas fogueiras, sejam elas para Santo Antônio, São João ou São Marçal, havia a tradicional festa de compadre, madrinha e padrinho de fogueira. Era algo muito interessante, pois não era feito de qualquer jeito. Havia todo um ritual. Teria que passar as mãos entrelaçados por cima da fogueira, além de repetir em voz alta o compromisso ali assumido entre duas pessoas. E olha que vigorava mesmo! E com muito respeito e seriedade se tomava benção. Mas isso tudo já não existe mais, foi algo que acabou.

Hoje me deu aquela saudade do interior, de ver todos os vizinhos com um feixe de madeira enfincado esperando o dia e a hora de se acender a fogueira, este feito histórico que aos poucos está caindo no esquecimento. Uma tradicional família do Perimirim ainda cultiva esta tradição e todo dia 13 de junho acende suas fogueiras, deixando vivo este momento importante e significativo na vida de todos aqueles que passaram por esse tempo.

Temos ainda São Pedro e São Maçal, aos quais tempos atrás as fogueiras teriam que ser acesas também. Lembro-me também das festas que se organizavam para São João. Era uma grande alegria, principalmente no festejo junino, no qual se esperava uma grande apresentação cultural, por ser considerado o pai do mês festivo. E esta data não poderia passar em branco, tinha que haver uma fogueira para homenagear o santo. 

As fogueiras desapareceram, perdemos os costumes, nossa história trazida pelos nossos avós... Por quê? Alguém sabe responder? Recordo com saudade que o memorável Bill de Jesus, quando organizava o festival junino, no dia dedicado a São João colocava uma fogueira lá na praça do folclore. Mas isso se acabou, ficou no passado.

— Crianças, vão tirar madeira para fazer fogueira para São Marçal!

 De novo?

— Sim, tem que ir e não demora. 

 Depois eu vou.

— Vai logo menino.

Nossos avós não se esqueciam de homenagear este santo que encerra o mês junino. E tínhamos de obedecer aos mais velhos. Mas isso também está ficando no passado.

E assim vamos perdendo parte daquilo que nos foi ensinado pelos nossos pais ou avós. Ensinamentos estes que estão ficando cada dia mais distante, sendo esquecidos, deixado pelo meio do caminho que hoje trilhamos.

Júlio Diniz

Júlio Diniz é jornalista e blogueiro (juliodiniz.com.br). É co-produtor e co-apresentar do programa radiofônio semanal, Cidadania em Foco. É também membro-fundador do Instituto Perone, instituição sociocultural sem fins lucrativos atuante na cidade de Arari. E-mail: julio@juliodiniz.com.br

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