Uma das experiências que me oportunizaram aprendizagem foi exercer
a função de jurado do conselho de sentença, por diversas vezes, no Tribunal do
Júri. Aí incluo o zelo do Ministério Público pela justiça, a ampla defesa e o
contraditório, tão bem explanados por advogados, e até a dosimetria de pena
aplicada pelo juiz-presidente. Tudo isso me ensinou algo.
Não tenho o conhecimento teórico e o saber aplicado atinentes aos profissionais desta área. Mas uma noção ou outra aqui e ali
aprendida tem, por extensão, iluminado minha consciência. Mas o que tem isso a ver com
distanciamento ou isolamento social, o usar máscara e o ficar em casa, como
medida preventiva do coronavírus e da Covid-19?
Tem a ver com a dúvida, com o excesso de informação e com
esse estado atônito, no qual estamos. Os especialistas (cientistas ou
profissionais da Infectologia) dizem uma coisa, os políticos da direita, outra;
outra ainda os de esquerda, e mais outra distinta os religiosos apocalípticos de
plantão...
A sensação que temos é a de que ninguém sabe nada e, ao mesmo
tempo, estamos diante de um universo de sabe-tudo. Todos querem opinar sobre
ser verdadeiro esse vírus, se ameaçadora ou grave essa doença, quais as medidas
realmente necessárias, as pertinentes e as dispensáveis...
E nós, meros mortais, infectáveis, vítimas – se não do vírus
ou da doença em si – de tudo o que esse cenário tem limitado e tirado da nossa
paz, ficamos em um “mar de dúvidas”. No dizer popular, "boiando como qualquer coisa n'água".
Literalmente, já nem sabemos a quem ouvir: se o inconsequente
que a tudo nega e a todos conduz na nação, se a mídia sensacionalista que não
sossega com seus números aterrorizantes ou se os moderados da ciência e do serviço de saúde – atacados por todos os lados pelos sabe-tudo.
Sim, voltemos ao Tribunal do Júri! Ali, além de outros, dois
princípios ajudam a clarear nossa decisão de jurado, diante da dúvida
persistente, mesmo após ouvir o réu, as testemunhas, o debate da acusação e da
defesa – às vezes com réplica e tréplica – a exposição de peças etc.
Falo sobre o benefício da dúvida. A dúvida razoável aplicada
como princípio, para se evitar a injustiça contra alguém que poderia ser
condenado ainda que inocente. Igualmente, a evitar injustiça contra a sociedade,
que poderia ter de volta um culpado inocentado por um tribunal, a gozar da
liberdade e a ameaçar as pessoas de bem.
In dubio pro reo é um princípio fundamental em
direito penal que prevê o benefício da dúvida em favor do réu, a quem se pode
aplicar a presunção da inocência se a culpa penal não estiver satisfatoriamente
comprovada.
In dubio pro societate, por outro lado, é um
princípio que vislumbra os interesses da sociedade, com o qual a decisão de um
jurado também é iluminada. Uma decisão em favor dos interesses da sociedade preza
pela segurança e bem-estar da coletividade (o Estado).
Trago ao leitor a tarefa de pensar a respeito de quem é o beneficiado pelo exercício da dúvida em seu pensionamento pessoal, particularmente,
sobre o que diz, o que faz e o que compartilha de informação sobre esse problema
pelo qual ora passamos, e que nos deixa céticos, aqui e ali.
Findo chamando a atenção para o fato de que, na dúvida, ser precavido pode ser menos perigoso. Não espere ter a certeza para se prevenir,
pois isso seria tentar remediar um mal instalado e de tratamento e cura até
então bastante difíceis, a depender de agravantes e atenuantes do estado clínico do próprio paciente e dos limites do serviço de saúde.
A despeito deste ou daquele profissional, político ou veículo
de imprensa acusado de minimizar o problema ou de superdimensionar os riscos e
as medidas preventivas, pensemos nas tantas vítimas, nas mortes de parentes,
amigos, conhecidos, profissionais das mais diversas áreas, lideranças
comunitárias e políticas...
Reflitamos sobre o quanto já perdemos, no quanto a
sociedade tem sofrido com as baixas de CPFs e CNPJs (e em cada um deles uma
história de vida, um ser humano, uma família, um certo número de pessoas) que essa doença transformou em dor e perda. São
tantos irmãos que se foram e tantos que se acham moribundos por aí afora.
E se nenhum desses princípios forem capazes de nos
sensibilizar para deixar de politiquices e midiatismos e partir para o
autocuidado, à prevenção e a outras formas de contribuição com o enfrentamento
desse mal, ouso propor um princípio informal, mas de um efeito talvez prático.
In dudio pro te. Ou seja, "na dúvida, sejas tu o beneficiado". Se mesmo com tantas mortes, inclusive
de parentes e amigos, e com tudo o que se tem visto, você ainda permanece nas
grades da dúvida, no mal-vindo agnosticismo do momento ou enveredado pelo ceticismo, esse princípio talvez o
ajude. Na dúvida, é melhor não dar sorte ao azar.
Na dúvida sobre a doença, é melhor se manter curado; na
dúvida se ela mata, é melhor se manter vivo; na dúvida sobre qual e se terá um
tratamento adequado, é melhor não precisar dele. Enfim, é melhor cuidar de si
mesmo e deixar essa história de ter razão para ser posta à prova num outro momento.
Com meus questionamentos, eu sigo cuidando de mim e dos meus, pois, "na dúvida, que eu seja favorecido": In dudio pro me.
Que texto, super me identifiquei 👏👏👏
ResponderExcluirExcelente texto, Cleilson! O seu blog tem agregado muito. Sigo também "In dudio pro me". Forte abraço!
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